sábado, 8 de janeiro de 2011

A Benzedeira

A vida comum de uma cidade interiorana não revela por completo até onde vai a crendice e o misticismo do povo.
Neguinho, filho de presidiário. Seu pai, nunca quis saber de estudar e enquanto ia na escola obrigado pela imposição de sua sofrida mãe por precisar do dinheiro do Bolsa Escola, acabou desempregado e deixando a família sem ter o que comer, até encontrar uma rápida solução: além do hábito do tráfico, entrava na casa alheia e pegava o que enxergava na frente, e como dizia sempre: Os pé de porco não fazem nada! Aqui não tem polícia! Até que um dia invadiu a casa de uma senhora para roubar o que pudesse e vender para algum mano que repassava os bagulhos. O que o ladrão não esperava é que justamente na hora que a senhora saia da porta de sua casa aos gritos pelo roubo, uma viatura da polícia passava na rua e executou o ladrão. Sua sorte foi o fato de superlotação no Presídio Regional da cidade e por ser réu primário, ficou poucos dias no xilindró e depois foi libertado.
Neguinho envergonhado do destino que tomou seu pai decidiu tentar a vida fora, em uma cidade maior, pois já não era mais o menino franzino e tímido e precisa ajudar sua mãe a manter a casa e os irmãos menores, enviando ajuda mensal para os seus. Sua amada mãe em uma carta lhe contou da liberdade condicional concedida a seu pai e que o mesmo estava tentando se redimir e trabalhar honestamente. Mal sabia ele os verdadeiros fatos que a mãe lhe ocultava para não lhe preocupar.
Beto, irmão de Neguinho, dito popular Belenga no mundo do tráfico, era um rapaz bem vestido, dono de um carrão e com uma vida muito boa para quem vive em vila. Porém, sua situação econômica é resultado da habilidade de negociação que desenvolveu com seu pai traficante. Aos olhos do irmão, o pai e o irmão trabalhavam em uma firma de compra e vende de tabaco (fumo vergínia e burley). Beto ainda tinha outro orgulho e esbanjava sua vaidade ao lado da formosa namorada Manu, professora dedicada e de boa índole em uma escola da vila. Esta por sua vez, apaixonou-se por Beto sem saber da atividade ilícita que realiza e logo depois veio descobrir numa conversa entre Beto e um amigo, quando usaram algumas gírias:
- Falô mano, me quebra um galho. Tu tem uma pedra pra mim ficá na boa, te pago semana que vem!
Beto muito nervoso tentou disfarçar com o amigo pela presença da namorada e respondeu:
- Rapaz, entregamos hoje o último fardo de fumo, não tenho nada pra te ajudar hoje, me procure amanhã.
- Pô cara, tu é o chefe, manda o mula me levar um bagulho, nem que seja um pouco da branquinha.
Com a aproximação de Manu, perplexa pela cena nem fez questão de disfarçar o desapontamento que Beto causava. Este então, confessa seu trabalho e pede que a namorada aceite e continue o namoro, explicando que vende droga somente para quem procura e que jamais ofereceria para alguém. Manu fica confusa entre a razão e o coração, pois ama Beto e sabe que o que seu namorado faz é errado e teme denunciá-lo ou deixá-lo, e tenta alertá-lo:
- Beto, isso o que você faz é crime. E se algo te acontecer? O que será de mim?
Atônita, procura uma benzedeira para aliviar sua aflição e esta, com muita prudência lhe avisa que vê muito desgosto com o namorado. Afirma em seguida com espanto:
- Minha menina, uma tragédia pode acontecer e só você poderá evitar isso.
Manu saiu mais preocupada ainda, pensando em qual melhor atitude poderia tomar com relação à Belenga até que decidiu procurar a polícia da cidade.
Após estudar e se esforçar, Neguinho acabou se tornando um competente delegado. Veio transferido para sua terra natal, depois de muitos e muitos anos longe da mesma. A cidade havia mudado um pouco, estava com ares de modernidade, mas nada que descacterizasse seu jeito de cidade de interior. Logo de chegada pode sentir o frio típico de o inverno rosar seu rosto, acompanhado de uma fina garoa típica do sul do Rio Grande. A rádio da cidade que sempre informava toda e qualquer novidade, se apressou em noticiar a chegada do Doutor Silva dos Santos, novo delegado da cidade.
À noite, durante o jantar de boas vindas pode rever alguns colegas de infância, conhecidos e alguns amigo. Neste evento, autoridades em geral manifestam a alegria de receber um novo delegado na cidade, com a esperança de que este conseguisse desarticular o tráfico existente na cidade, que já estava causando medo nos moradores pela delinqüência dos viciados. Ainda descrevem o cabeça do tráfico, como um sujeito conhecido por Belenga, que comanda todas as operações e ninguém descobre sua identidade. O delegado que nunca ouviu falar no apelido citado, inicia as investigações.
Doutor Silva dos Santos, conciliava o trabalho com visitas periódica à casa de sua mãe, que agora se encontra em boas condições de vida. Sua maior surpresa foi quando recebeu na delegacia, uma linda jovem, com lágrimas nos olhos, implorando para falar:
- Doutor, fiquei sabendo da sua vinda para a cidade e sei que procuram um traficante.
Manu relata tudo o que sabe sobre o tráfico de Belenga e pede cautela na operação policial, implorando pela vida do namorado. Assim, o delegado consegue finalmente que sua equipe capture o chefe do tráfico e mais alguns mulas, encaminhados para a delegacia para reconhecimento e depoimento.
Doutor Silva dos Santos mal pode acreditar no que via diante dos olhos. O grande traficante que apavora a cidade, conhecido como Belenga, era seu irmão Beto e aquela jovem encantadora, seria sua cunhada. As muitas idas à delegacia para saber sobre o processo e informação de como ajudar Belenga, acabaram aproximando Neguinho e Manu, desencadeando sentimentos mais profundos.
Ambos eram cautelosos, pois a cidade era pequena e não queriam seu romance na boca de fofoqueiros nem tão pouco despertar o ódio ou magoar Beto.    
 Remorsos e desejos povoavam a cabeça de Manu. Pensou em procurar mais uma vez a benzedeira mas desistiu ao lembrar da aflição que sentiu após as palavras da velha que diziam a verdade.
 Beto é posto em liberdade condicional depois de dez anos sem ter o conhecimento do romance entre seu irmão (delegado) e sua amada Manu e o desfecho deste triângulo amoroso somente a benzedeira sabe... e revelará em outro conto!

Um comentário:

  1. Gurias! Muito bom!Vocês conseguiram pegar o texto e dar realmente um novo enfoque para a temática. Parabéns! Clarinha

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